O que já foi divulgado sobre a atuação do Hezbollah na região que envolve a fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina.
Hezbollah é um partido político xiita e também um grupo armado que tem grande presença no Líbano, atuando tanto no parlamento quanto no governo.
Max Pitangui / Radialista, publicitário e ativista Político.
O governo dos Estados Unidos está oferecendo uma recompensa de até US$ 10 milhões, aproximadamente R$ 56,5 milhões, por informações que ajudem a entender melhor os mecanismos financeiros do grupo Hezbollah na região que inclui Argentina, Brasil e Paraguai.
De acordo com a Embaixada dos EUA no Brasil, o objetivo é obter novas pistas sobre atividades como contrabando, lavagem de dinheiro e outros processos financeiros ligados ao grupo libanês na área.
A recompensa é concedida pelo programa Rewards for Justice (Recompensas pela Justiça), do Departamento de Estado americano.
Segundo o RFJ, o Hezbollah tem obtido recursos na Tríplice Fronteira por meio de atividades como lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, falsificação de dólares americanos, comércio ilegal de diamantes e contrabando de grandes quantidades de dinheiro em espécie, carvão, cigarros e petróleo.
O programa também aponta que os integrantes do grupo atuam em negócios aparentemente legítimos, como construção civil, comércio de importação e exportação e venda de imóveis.
Em novembro de 2023, a Polícia Federal prendeu três pessoas suspeitas de fazer parte do Hezbollah durante a Operação Trapiche, que investigava o financiamento de terrorismo no Brasil.
Na ocasião, esses suspeitos eram considerados responsáveis por planejar ataques contra a comunidade judaica no país e foram detidos em São Paulo e no Rio de Janeiro.
As investigações, que contaram com o apoio de serviços de inteligência dos Estados Unidos e de Israel, revelaram que um grupo de pelo menos quatro indivíduos tinha mapeado possíveis alvos para ataques em várias regiões do Brasil, incluindo a Embaixada de Israel em Brasília.
Segundo fontes da Polícia Federal ouvidas pela BBC News Brasil na época, esses planos tiveram seu ritmo intensificado após os conflitos entre o Hamas, grupo palestino, e o governo de Israel na Faixa de Gaza, que começaram em outubro de 2023.
Em uma segunda etapa da operação, realizada em agosto de 2024, foi cumprido mais um mandado de prisão preventiva, desta vez em Belo Horizonte.
Durante essa fase, o principal suspeito estaria envolvido com o financiamento dos atos terroristas planejados, conforme informações da polícia.
Foi apurado que esse investigado utilizou a situação de vulnerabilidade de imigrantes e refugiados para abrir contas bancárias e criar empresas onde circulavam recursos de origem ilegal.
Hezbollah e a tríplice fronteira
As atividades do Hezbollah na região da Tríplice Fronteira — entre Brasil, Argentina e Paraguai — levaram a diversos relatórios de inteligência por parte do Departamento de Estado dos EUA e do Congresso americano.
Em 2002, os americanos lançaram uma iniciativa chamada "3 + 1 Group on Tri-Border Area Security", oferecendo treinamentos e financiamentos para ações contra o terrorismo na região.
Desde então, informações dessas agências têm sido compartilhadas com mais frequência com países da América Latina. Além disso, o Comando Militar do Sul dos Estados Unidos aumentou sua presença na área e realizou operações conjuntas com as forças armadas locais. Assim, a região e suas ligações com o Hezbollah continuam sendo acompanhadas de perto pelos Estados Unidos.
Em 2011, o tema foi discutido em uma audiência do subcomitê de Contraterrorismo e Inteligência da Câmara dos Deputados americana. Na ocasião, a deputada Jackie Speier, da Califórnia, resumiu o entendimento das autoridades americanas sobre o grupo libanês na América Latina:
“O Hezbollah realiza diversas atividades financeiras ilegais na América Latina, como tráfico de drogas, falsificações e contrabando. Essas ações se concentram na Tríplice Fronteira, uma região pouco controlada entre Brasil, Argentina e Paraguai, onde as forças policiais locais têm dificuldades para combater organizações terroristas e criminosas.”
A preocupação com esse grupo também existe devido ao seu histórico: antes do ataque às Torres Gêmeas nos Estados Unidos em 2001, o Hezbollah foi responsável por alguns dos ataques mais mortais contra americanos. Em 1983, integrantes do grupo atacaram a embaixada dos EUA e uma base naval em Beirute, causando mais de trezentas vítimas.
Autoridades argentinas também atribuem ao Hezbollah os maiores atentados ocorridos na América do Sul até hoje: os ataques a bomba contra a Embaixada de Israel em Buenos Aires em 1992 e à Associação Mútua Argentina-Israelense (AMIA) em 1994. Esses ataques deixaram mais de cem mortos.
De acordo com Alison August Treppel, diretora-executiva do Comitê Interamericano de Combate ao Terrorismo da Organização dos Estados Americanos (OEA), essas ações foram planejadas na Tríplice Fronteira:
“A região é conhecida há bastante tempo como um centro de atividades criminosas: tráfico de armas e drogas, contrabando, falsificação de documentos e moeda falsa, lavagem de dinheiro e circulação de mercadorias piratas. A proximidade das cidades brasileiras de Foz do Iguaçu, paraguaya de Ciudad del Este e argentina de Puerto Iguazu facilita as ações desses grupos criminosos e terroristas que aproveitam as vulnerabilidades das instituições locais,” explicou ela em 2019, ao marcar os 25 anos do atentado à AMIA.
Em 2006, o Tesouro dos EUA classificou Assad Ahmad Barakat como um "terrorista global" por seu envolvimento com o Hezbollah. Ele foi incluído numa lista de financiadores do grupo libanês. Seus negócios foram congelados na região da Tríplice Fronteira.
Segundo o então diretor do escritório de Controle de Ativos Estrangeiros do Tesouro americano, Adam Szubin, "a rede financeira de Assad Ahmad Barakat é uma importante rota para o Hezbollah no Líbano."
Barakat ficou conhecido como “tesoureiro do Hezbollah” e foi preso em 2018 pela Polícia Federal em Foz do Iguaçu. Antes disso, teria lavado cerca de US$ 10 milhões através de cassinos na fronteira para financiar o grupo. Em 2020, ele foi extraditado para o Paraguai para responder por falsidade ideológica.
O libanês sempre negou as acusações contra ele. Em uma entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em 2002, ele afirmou que havia um "complô econômico" para prendê-lo e que as acusações eram uma invenção de um rival comercial que buscava vingança.
Ele comentou que o envolvimento com terrorismo era um absurdo que só acrescentava às mentiras já criadas contra sua pessoa. Na época, também disse que é simpatizante do Hezbollah, mas reforçou que isso não é crime.
Em 2006, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos impôs sanções a Farouk Omairi, um libanês naturalizado brasileiro. Eles o identificaram como alguém que coordenava integrantes do Hezbollah na região e como uma figura importante na obtenção de documentação falsa brasileira e paraguaia na tríplice fronteira.
Dezessete anos depois, em junho de 2023, o juiz federal argentino Daniel Rafecas solicitou à Interpol que procurasse Omairi, além de outros três indivíduos de origem libanesa, para que fossem presos e esclarecessem sua participação no ataque à AMIA. Segundo a decisão, há suspeitas bem fundamentadas de que esses indivíduos trabalham como colaboradores ou agentes do braço armado do Hezbollah.
Outro alvo do caso é Ali Hussein Abdallah, também naturalizado brasileiro e possivelmente morador na tríplice fronteira.
Hezbollah e tráfico de drogas
Um dos principais motivos de preocupação das autoridades brasileiras e internacionais com o Hezbollah na região da Tríplice Fronteira é a possível ligação do grupo com facções criminosas que controlam o tráfico internacional de drogas.
No Brasil, essa conexão foi levantada durante investigações envolvendo um brasileiro apontado como traficante internacional ligado ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Segundo a Polícia Federal, ele seria um dos principais nomes da facção na fronteira com o Paraguai. O nome dele é Elton Leonel Ruminich da Silva, conhecido como "Galã".
De acordo com informações enviadas à Justiça Federal do Rio de Janeiro pela Secretaria de Administração Penitenciária do estado, há indícios de que "Galã" tinha ligações com integrantes do Hezbollah e que ele e seus supostos comparsas planejavam uma fuga. Até 2019, ele estava preso na penitenciária Laércio da Costa Pellegrino, conhecida como Bangu 1.
Depois dessas informações, a Justiça autorizou a transferência dele para um presídio federal de segurança máxima.
Em 2023, o advogado de Elton Leonel Ruminich da Silva, Eugenio Malavasi, negou qualquer ligação do cliente com o Hezbollah. Ele afirmou que essas conexões nunca foram provadas e que não há qualquer elemento que confirme essa relação.
Jorge Lasmar, professor de Relações Internacionais na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, explica que investigações da Polícia Federal também apontam ligações entre o Hezbollah e o PCC. Essas ligações envolveriam atividades ilegais do grupo terrorista relacionadas ao contrabando e ao tráfico de drogas.
Segundo Lasmar, essa relação vem ficando cada vez mais evidente. Um documento da Polícia Federal de 2014 demonstra essa parceria com o PCC, e os Estados Unidos também sempre destacaram essa conexão.
Ele explica ainda que o Hezbollah utiliza diversas rotas brasileiras controladas pelo PCC para traficar drogas, especialmente na tríplice fronteira e no aeroporto de Guarulhos. Para isso, precisa negociar com a facção paulista.